AURORA
Na casa de Dona Aurora, no interior do Ceará, o dia começava cedo. Em uma janela ,ela apreciava alvorada iniciante, ao mesmo tempo relembrando outra época. Quando jovem tinha casado com Isidero, seu primeiro marido; eram pobres mas felizes .Tiveram seu primogênito que batizaram com o nome de Francisco Chagas. Passado dois anos Isidero faleceu de tuberculose, enfermidade que naquele tempo não tinha cura.
Aurora, jovem e viúva, lecionava para sustentar a casa. Seu cunhado Ismael, irmão do falecido, estava sempre visitando a cunhada. Certa vez com carinhosa solicitude sentou-se ao lado de Aurora ao lado de Aurora que estava fazendo crochê, desenrolando o novelo de lã. Não percebeu quanto seu João, o pai de Aurora entrou. Mas ouviu suas palavras:
- Sr. Ismael, não tenho filha pra ficar de prosa com homem, mas para casar.
- Sim senhor, João – aceitou Ismael.
Aurora casou pela segunda vez com seu cunhado. Teve o segundo filho e foi batizado com o nome de Pedro. Uma família completa, mas Ismael também contraiu a terrível tuberculose e faleceu. Aurora ficou pela segunda vez de luto, com o coração transbordando de dor, pela perda de seus dois maridos, vitimas da mesma doença. Na sua devotada fé, aos domingos não faltava a missa. Num deles quando voltava para casa ouviu uma voz:
- Preciso falar-lhe. Tem de acreditar, estou enamorado e quero casar com a senhora.
Os olhos dela brilharam com intensidade de alguns segundos e perguntou o nome dele.
-Alberto, ao seu inteiro dispor
-Sim, senhor Alberto, sou viúva e não posso passear pela cidade com um homem. Se o senhor quer casar, então casamos logo.
Casaram. Tiveram uma filha batizada com o nome de Irene. Sua união foi bem vista por todos, formaram uma família de bem com a vida. O tempo passou, o tempo voou a Alberto com seus 50 anos, ficou desempregado, a bebida era o seu remédio. Vivia o tempo todo a resmungar:
- Mulher desgraçada! Já enterrou dois maridos e não vai me enterrar... E se eu morre, não pense vai arrumar outro, você vai ficar penando em cima da terra!
Não deu outra: Alberto veio a falecer de cirrose. Aurora três vezes viúva aos 40 anos, a destemida. Os filhos já independentes. Então seu filho Francisco, que já estava casado e com uma filhinha, chamou sua mãe para morar com eles.
Mas não é que a praga do Alberto se cumpriu? Aurora, um dia ao entardecer, terminou de jantar e foi fazer o seu crochê, mas começou a sentir uma forte dor nos olhos. Logo estava cega. O véu negro encobriu o seu rosto abatido, eterna escuridão, tormento e resignação. Começou uma maneira diferente de ver o mundo: as mesmas mãos que apalpava as paredes e caminhava, também acariciavam seus netos. Ao completar 86 anos faleceu de infarto fulminante. Aurora, desculpem o trocadilho, passou mais de 40 anos na mais completa escuridão, sem jamais ver o brilho da aurora...
Varenka de Fátima
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